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Comportamento suicida e a contemporaneidade

  • Foto do escritor: Equipe Et Al
    Equipe Et Al
  • 26 de abr. de 2017
  • 4 min de leitura
Por Gabriella Matsumoto, Psiquiatra
Um encontro entre dois: olho no olho, cara a cara.
E quando estiveres próximo, tomarei seus olhos
E os colocarei no lugar dos meus.
E tu tomarás meus olhos
E os colocará o lugar dos teus.
Então te olharei com teus olhos
E tu me olharás com os meus. (MORENO, 1914)

A recente ligação de casos de autoagressão com o fenômeno Baleia Azul e o sucesso da série televisiva americana 13 Reasons Why dão voz a um problema em saúde pública que, embora crescente, não é restrito à época atual. Filmes como Garota, Interrompida (1999) e o sul-coreano Poesia (2010) mostram que a preocupação com o assunto transcende gerações.

Ainda que as taxas de suicídio variem de acordo com categorias demográficas, elas aumentaram aproximadamente 60% nos últimos 50 anos (OMS, 2000).A prevalência mundial de ideação suicida é de 9,2% e a de tentativas é de 2,7% , embora esses valores variem muito de um país para o outro (TURECKI, 2016).

As informações oriundas da mídia dão destaque às faixas etárias mais precoces. É sabido que há um pico de comportamento autoagressivo entre adolescentes e adultos jovens, com uma prevalência de ideação suicida ao longo da vida que varia de 12,1 a 33% (TURECKI, 2016). As particularidades afetivas da adolescência envolvem questões orgânicas, cognitivas e de experiência de vida.

No que diz respeito à parte orgânica, podemos citar as alterações hormonais (que, de acordo com Rosenblum, 2006, sabidamente cursam com aumento da incidência de humor depressivo, em especial no sexo feminino) e o desenvolvimento de áreas corticais cerebrais. Sobre o aspecto cognitivo, a adolescência é marcada por profundas mudanças em áreas como aquisição de conhecimento, capacidade de processamento, raciocínio dedutivo e tomada de decisões (ECCLES, 2003). Quanto à experiência de vida, trata-se de um período em que várias transformações significativas ocorrem simultaneamente, resultando em um acúmulo de eventos de vida com os quais o adolescente luta para superar (ROSENBLUM, 2006).

O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal tem importante papel na regulação da resposta ao estresse, facilitando seu enfrentamento. Eventos adversos de vida na infância (como abuso físico, sexual ou psicológico ou negligência parental) induzem alterações epigenéticas que interferem no funcionamento do eixo. Tais alterações apresentam relação positiva com comportamento suicida (TURECKI, 2016).

O senso comum tem se referido com frequência aos adolescentes de hoje como “uma geração diferente da nossa”. Tal frase não reflete uma análise crítica e faz a mera constatação de um fato. Considerando o psiquismo o resultado de interações genéticas, ambientais e socioculturais sobre a subjetividade, é fato que as gerações apresentarão diversidade de dramas, conflitos e pontos de vista.

Um desdobramento específico do momento em que vivemos sobre o psiquismo é que opiniões compartilhadas num espaço supostamente protegido podem viralizar a partir das redes sociais para territórios desconhecidos. Atitudes não geram apenas a resposta do grupo mais próximo, mas a resposta de milhares, por sua vez carregada de uma agressividade que se alimenta da cumplicidade do anonimato que a internet permite.

Embora os mais lembrados sejam os adolescentes, não se deve esquecer que o segundo pico de risco de suicídio compreende a faixa etária acima de 75 anos. Há também aumento do risco de comportamento autoagressivo em dependentes químicos, portadores de transtornos psiquiátricos (como transtornos de humor, transtornos de ansiedade, transtornos de personalidade e esquizofrenia), vítimas de trauma medular ou craniano e portadores de doenças crônicas como HIV, câncer, epilepsia, diabetes e esclerose múltipla (OMS, 2000).

É crescente o número de pessoas, ainda que não estejam ligadas às áreas da saúde, da educação e da mídia, que mostram preocupação em oferecer ajuda e atuar no um-a-um na prevenção do comportamento suicida. O que se encontra ao alcance de todos é a escuta afetiva e desprovida de estigma e preconceito. Devemos deixar de lado o “eu faria diferente se fosse você” e ouvir como o outro gostaria de ser ouvido.

A tabela abaixo, publicada pela OMS, coloca a diferença entre fato e ficção acerca do tema e nos aproxima de uma postura empática e sem julgamento. A primeira coluna ilustra frases frequentemente ditas pela população geral a respeito do comportamento suicida, enquanto a segunda coluna confronta a crença popular com dados reais.

Tabela: Suicídio – Fato e Ficção

Fonte: OMS, 2000

Referências Bibliográficas

ECCLES, J.; WIGFIELD, A.; BYRNES, J. Cognitive Development in Adolescence. In: LERNER, R. M. et al (Org.). Handbook of Psychology. John Wiley and Sons, Inc. 2003, v. 6, cap. 13, p. 325-350.

MORENO, J. L. Convite a um encontro, 1914. In: MORENO, J. D. Impromptu Man: J. L. Moreno e as Origens do Psicodrama, da Cultura do Encontro e das Redes Sociais. São Paulo: FEBRAP, 2016.

OMS. Prevenção do Suicídio: Um Manual Para Profissionais da Saúde em Atenção Primária. 2000, Genebra. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/67603/8/WHO_MNH_MBD_00.4_por.pdf. Acesso em 24 abr 2017.

ROSENBLUM, G. D.; LEWIS, M. Emotional development in adolescence. In: ADAMS, G. R.; BERZONSKY, M. D. (Org.). The Blackwell Handbook of Adolescence. Blackwell Publishing Ltd. 2006, cap. 13, p. 269-289.

TURECKI, G.; BRENT, D. A. Suicide and suicidal behavior. The Lancet. v. 387, n. 10024, p. 1227–1239, mar 2016.

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