Alimentação e cicatrização: os alimentos remosos
- Fernanda Ramos
- 25 de mai. de 2018
- 3 min de leitura
Na cultura alimentar popular brasileira, especialmente nos Estados da região norte, existe o costume de se evitar alimentos ditos remosos após cirurgias, ferimentos ou períodos em que se passa por processo de cicatrização.
Para entender esse conceito são necessárias algumas definições.

A cicatrização é um processo complexo que envolve uma série de fases sequenciais e sobrepostas, incluindo inflamação, formação de tecido de granulação (fase proliferativa) e remodelação que resulta na formação de um novo tecido. Esse processo demanda interação entre uma variedade de células, citocinas, fatores de crescimento e moléculas de matriz extracelular.
Acredita-se que alguns alimentos podem interferir diretamente nesses processos e há necessidade de redução ou suspensão total do seu consumo.
Considerando as variações regionais estão incluídos nesse grupo alguns tipos de peixe, carne gordurosa bovina e suína e frutos do mar. São geralmente alimentos gordurosos ou animais de dieta carnívora.

A hipótese é que devido à elevada presença de microrganismos decompositores, produtos tóxicos e componentes celulares resistentes ao cozimento nos tecidos desses animais ocorre alterações na imunidade ou hipersensibilidade imediata.
Dito isso, a pergunta que não quer calar é: é real ou um tabu alimentar?
E qual não é a nossa surpresa que esse costume alimentar faz algum sentido! Pelo menos no que se refere aos alimentos gordurosos.
Alguns estudos experimentais encontraram que a exposição crônica a dietas com alto teor de ácidos graxos saturados, presentes em carnes gordurosas, apresenta efeitos negativos à cicatrização.
Outro estudo demonstrou que uma dieta rica em gordura saturada a trans pode atrapalhar o processo de cicatrização por reduzir a síntese de proteína, especialmente o colágeno, e levar a um processo inflamatório, comprometendo a vascularização do tecido.
O consumo de álcool também compromete a reparação tecidual por aumentar a susceptibilidade a infecções e reduzir o número de células do sistema imune. Uma simples exposição ao álcool pode afetar a fase proliferativa e reduzir a multiplicação celular e a formação de vasos sanguíneos, além de outros efeitos negativos.
Os mecanismos exatos pelos quais o álcool e os alimentos gordurosos estão diretamente relacionados a lesão tecidual e ao retardo no processo de cicatrização ainda não estão bem estabelecidos
Outros fatores que influenciam na cicatrização:
Excesso de peso: prejudica a cicatrização por atrasar a contração da ferida por aumentar a duração da fase inflamatória, atrapalhando a neovascularização e a morfologia da célula.
Estado inflamatório prévio: há prolongamento da fase inflamatória.
A maior das limitações é que a maior parte dos estudos é feita com ratos e os resultados não podem ser extrapolados para humanos.
Mas, seguindo ou não esse costume, vale sempre a boa a velha recomendação de alimentação equilibrada, visto que todas as fases da cicatrização são dependentes de grande quantidade de proteína, carboidratos e gordura, além de vitaminas e minerais, auxiliando na regulação do sistema imune e na formação de tecido novo.
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