Como a saliva pode mudar a percepção dos sabores?
- Fernanda Ramos
- 9 de ago. de 2018
- 3 min de leitura
A determinação das preferências e hábitos alimentares é complexa e afetada por fatores culturais, psicossociais e biológicos. Nesse último fator, a percepção do sabor é algo importante e será o foco desse texto.
O sabor é uma combinação de sensações que inclui gosto do alimento, aroma e atividade sensitiva dos nervos trigeminais.
Durante o processo de comer, o alimento é quebrado e impregnado de saliva para formar o bolo alimentar. Nessa fase, saborizantes e compostos não voláteis são liberados da comida e dissolvidos na saliva, onde podem migrar e se ligar aos receptores sensitivos trigeminais e aos receptores de sabor da boca, dependendo da sua afinidade.
Ao mesmo tempo, os compostos de aroma (voláteis) são liberados da comida no ar ou pela saliva e chegam, via fluxo de ar, aos receptores olfatórios localizados na cavidade nasal (olfação retronasal).
Dessa forma o estímulo sabor é recebido e interpretado pelo cérebro, nos fornecendo a percepção final do sabor do alimento.
Nesse ponto, um termo recorrente ganha destaque: a SALIVA.
A saliva é uma mistura complexa composta pela secreção de glândulas salivares, células da

boca e as bactérias da boca (microbiota oral). Sua composição e fluxo dependem de fatores fisiológicos (ritmo circadiano, idade, sexo e condições de saúde) e externos (alimentação e medicamentos).
Sua função é manter a estrutura da mucosa oral, manter a integridade das células de sensibilidade e sabor e o equilíbrio microbiano, cicatrização de lesões da mucosa, descamação e remoção de células epiteliais, leucócitos e restos alimentares pela deglutição, formação de película dentária com propriedades de proteção físico-químicas e lubrificação da cavidade oral, permitindo comunicação e deglutição segura e adequada.
A sua composição varia de acordo com a glândula secretora, mas, de forma geral, é formada por 98% de água e o restante de sais e proteínas, entre elas mucinas, histatinas, estaterinas, IgA, proteínas ricas em prolina e α amilase, anidrase carbônica e lisozima.
Agora, ATENÇÃO A ESSES 2%!
Essas moléculas e enzimas podem interagir com os componentes alimentares e tem-se estudado o impacto da composição da saliva na percepção do sabor. A grande maioria dos estudos ainda é experimental e não é possível estabelecer os resultados encontrados no ser humano, o que não torna o assunto menos interessante.
Existem os polimorfismos genéticos que afetam a percepção do sabor (como o famoso caso do coentro) e alguns estudos demonstram que a saliva pode estar envolvida na variação interindividual da sensibilidade sensorial.
De fato, o fluxo e a composição da saliva tem impacto na boca na percepção dos sabores doces, salgados, adstringente, amargo, gorduroso e no aroma retronasal.
Essa interação é vista quando, experimentalmente, foi observado que a liberação do aroma de café e vinho foi diferente quando adicionados à matriz alimentar água, saliva artificial e saliva humana.
Alguns resultados mostram que o fluxo salivar associa-se positivamente no gostar de alimentos azedos e gordurosos e que a composição de proteínas poderia estar relacionada na aceitação de alimentos amargos na infância, embora essa associação não seja significativa.
Em estudo publicado em 2015 por Méjean et al, foi encontrado que a proteína anidrase carbônica 6 (CA6) estava inversamente associada ao gostar de alimentos salgados. Pessoas com percepção de sabor prejudicadas para sal tinham baixos valores dessa proteína comparadas a indivíduos com percepção adequada. Assim, indivíduos com baixo CA6 poderiam ser menos sensíveis a sal e poderiam necessitar maior concentração de sal para atingir aceitação ótima do alimento. Um estudo anterior reforçou o resultado mostrando um polimorfismo no gene de CA6 relacionado a percepção de sal.
Ainda não foram estabelecidas ligações diretas entre a composição salivar e a percepção do aroma. No entanto, a interação dos compostos aromáticos com os componentes salivares e a produção de moléculas de odor são mecanismos que parecem influenciar na percepção do aroma, particularmente após a mastigação.
Vai dizer que o corpo humano não é a máquina mais inteligente e interessante de todas?
Méjean C, Morzel M, Neyraud E, Issanchou S, Martin C, Bozonnet S, et al. (2015) Salivary Composition Is Associated with Liking and Usual Nutrient Intake. PLoS ONE 10(9): e0137473. doi:10.1371/journal.pone.0137473
Muñoz-González C, Feron G, Canon F. Main effects of human saliva on flavour perception and the potential contribution to food consumption. Proceedings of the Nutrition Society, 2018
Ployon, S., Morzel, M., Canon, F., The role of saliva in aroma release and perception.
Food Chemistry. 2017. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.foodchem.2017.01.055

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